Tem vezes que da vontade de desistir ! mas vamos a luta !
Sobre identidades, preconceito e racismo !
Nesta semana fui fazer uma fala sobre identidades raciais no Brasil para o projeto no qual estou trabalhando. O projeto é lindo se trata de saúde da população negra. E uma das coisas importantes do projeto é sensibilizar os profissionais da saúde para o racismo institucional dentro do SUS. Minha fala foi sobre formação e construção de identidades. E principalmente como se formam as identidades brancas e negras no Brasil . Falei muito dos privilégios da branquitude e da importância da construção de uma identidade negra positivada através da cultura, da luta anti-racista e de diversas formas que os sujeitos negros possam se identificar e construir negritudes que tragam conforto, sentimento de pertencimento, ou seja saúde psíquica. Após a fala, no auditório uma pergunta foi direcionada a mim e era o seguinte:
Lia, o que é mais importante construir uma identidade negra positivada ou sensibilizar a população para o Racismo? Respondi que os dois eram necessários, construir uma identidade positivada era necessário para a saúde psíquica da população negra, e sensibilizar sobre o racismo era necessário para a população brasileira como um todo e principalmente para os brancos. Nesta resposta dei um exemplo sobre identidade judaica, que é algo que estudei no mestrado, e ainda faz parte da minha construção como sujeito. Disse que na época da segunda guerra haviam judeus que se identificavam com a cultura judaica de diversas formas : afetividade, religião, tradição, ancestralidade, cultura e etc... E haviam também os judeus que nao se identificavam com nada, eram judeus sem judaísmo, eram judeus pelo simples fato de ter ancestrais que um dia foram ligado a esta tradição e que por isto carregam sobrenome judeus. Para os judeus que tinham tradição judaica a identidade era algo importante, positiva e que dava lugar no mundo para estas pessoas, para aqueles que apenas carregam o nome ser judeu representava um fardo , representava ser perseguido, e era algo que estes tinham vontade de deixar de ser , mas nao poderiam, nao tinham escolha, seus sobrenome e sua historia e principalmente o olhar externo e o anti-semitismo os classificavam assim.
Dei o exemplo acima e voltei a falar da importância da identidade negra positivada, pois para aqueles que nao tem esta positividade ser negro é sofrer racismo, é ser aviltado em sua constituição pela sociedade racista em que vivemos hoje no Brasil, e por isto o exemplo dos judeus fazia sentido para pensarmos isto.
Quando acabou a fala e o debate uma das pessoas que trabalham comigo, e que também luta pelo fim do preconceito de nossa sociedade me disse que eu nao deveria ter dado o exemplo dos judeus, pois os judeus eram hoje a comunidade mais racista do Brasil, e que ela havia lido isto em uma reportagem, e que alem disto os judeus tinham tanto horror aos negros que nem empregadas domesticas negras eles tinham. Perguntei para ela se os judeus são tão racistas o que é que eu LIA estava fazendo lá ? Ela me respondeu que eu era DIFERENTE. Neste mesmo segundo entendi que as vezes a lógica da luta anti-racista serve para uns e nao para outros. Uma das características maiores do preconceito e do preconceituoso é quando encontra alguém do grupo de que se tem preconceito é retira-lo do grupo dizendo que este é diferente, pois assim a pessoa pode continuar tendo preconceito contra o grupo, e aquele “exemplar” que se “difere”fica salvo, assim como todos os preconceitos contra o grupo. O mais triste para mim foi perceber que a pessoa que me disse isto luta contra os estereótipos e preconceitos ligado ao seu grupo de pertença, mas nao entendeu que para um mundo melhor os estereótipos ligado a todos os grupos devem desaparecer! Nao adianta nada lutar contra os estereótipos de um e permanecer com os outros !! Enfim, depois de sair chorando de raiva , fazer analise e pensar em desistir resolvi sublimar o acontecimento escrevendo por aqui.
4 comentários:
Bravo!!!! Como sempre! te amo! beijos
É construir e não se incluir nessa construção. Provávelmente essa pessoa é capaz de falar de preconceitos e apontar situações racistas cotidianas mas não enxerga quando ela mesma comete atos preconceituosos. Acho que taí um problema da academia: o discurso pelo discurso.
É aí que se vê quando um conhecimento é bem aprendido ou não. É bom estar atento para esta possibilidade e perceber como estamos quanto a isto. Caso não corresponda a atitude com o conhecimento falta ainda um bom pedaço do caminho até lá.
Parabéns pelo artigo. Claro, na medida, objetivo, esclarecedor e num ótimo português. Adorei!
A velocidade do pensamento é muito diferente da velocidade do sentir, e tudo isso está na ação. A discriminação é um dos temas mais inelaboráveis pro sujeito, e aí temos as racionalizações. Por que no limite é "por que comigo, por que com meu grupo?" e a única resposta que fica registrada no nível do sentir é "porque sim". E isso dói, ferida narcísica. Daí a necessidade de positivar a identidade (e os perigos de construir uma casa em cima de uma dor tão grande). Polarizações entre branco e negro, bem e mal, judeu e não judeu, gordo e magro são tentativas de lidar com este "porque sim" absurdo e tão presente. Pensar que eu sofro enquanto o outro não sofre é uma maneira de ter saida. A mais precária delas, mas saída. Enquanto que a verdadeira construção da alteridade é assumir que não há redenção, é entender o "porque sim", tentar evitar que aconteça de novo, procurar uma maneira de mitigar os sofrimentos de todos os lados, por que a sacanagem em si está em comparar sofrimentos. Enquanto comparamos sofrimentos (o meu é maior, o meu é maior) estamos apegados a eles e ninguém derruba os 175 mil muros da vergonha que existem no nossa cotidiano. Acho foda que você está construindo alteridade todo dia. Tu não veio a passeio mesmo, manezinha rsrs!
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