Sobre a necessidade de ser amado e o pacto com agressores!
Hoje, conversando com uma amiga, que assim como eu, não fica quieta, não compactua, e não se faz de mansinha quando assiste cenas de agressões, machistas, classistas ou racistas percebi algo em comum que acontece quando anunciamos aquilo que esta em nossa frente: a violência, a agressão e etc muitas vezes é invertida e colocada naquele que faz o anuncio (caso do escracho).
Deixa explicar melhor : andamos numa rua e tem uma bosta bem fedida na calçada, ai uma pessoa chega e diz : olha a bosta alí. Muitas vezes, o outro que escutou você dizer que a bosta estava lá sai reclamando que a pessoa que anunciou que a bosta estava na rua é o culpado por acabar com o passeio feliz e cheiroso. Ou ainda, é como se este tivesse criado a bosta, e não que a bosta já estava lá. Estas pessoas são acusadas de estar acabando com a harmonia, ou com a convivência feliz, ou pelo menos com o dia bonito do outro, assim ao invés de acharem que é um absurdo cagar na rua e a bosta estar lá, acham um absurdo alguém apontar que cagaram na rua.
Assim é com o machismo, bem como com o racismo. Você aponta que há uma violência ou um agressor na sua frente e plim ! como uma mágica a inversão esta feita ! você vira o agressor ! Isto tem nome : Efeito retorção : O “efeito de retorsão constitui-se quando “um contendor se coloca no terreno discursivo e ideológico do adversário e o combate com as armas deste, as quais, pelo fato de serem usadas com sucesso contra ele, deixam de pertencer-lhe, pois que agora jogam pelo adversário. A retorsão opera, assim, de uma só vez, uma retomada, uma revirada e uma apropriação-despossessão de argumentos: ela tem por objetivo impedir ao adversário o uso de seus argumentos mais eficazes, pelo fato de utilizá- los contra ele” (Pierucci, 2000, p. 52). A lógica é que disto saem argumentos assim : as cotas são racistas, o movimento feminista é opressor , e blábláblá !!!
Alem disto não podemos esquecer que combater o racismo e o machismo não é apenas falar disto, é mais que isto, é abrir mão dos privilégios materiais , simbólicos e psíquicos que estes trazem. Ou seja, em geral nós nos constituímos com um aparelho psíquico que faz que nossa humanidade e dignidade seja construída através de algo chamado “reconhecimento” que pode ser traduzido como amor. Em uma sociedade machista e racista o grupo que é representado por homens, e por brancos são aqueles que tem mais reconhecimento social, não a toa homens ganham salários maiores que mulheres na mesma posição e brancos mais que negros. São os representantes da “beleza” e da “inteligência”, não a toa as propagandas e novelas são repletas da beleza branca e da “inteligência” masculina.
E, por isto anunciar agressão é difícil, pois além de precisar reconhecer que o machismo e o racismo são de fato agressões e violência, reconhecer que você esta em situação de desigualdade social, também vem com o fato de que você precisa abrir mão de ser amado pelo agressor e dos lugares simbólicos de poder dado ao homem branco na sociedade. E ai esta a cilada, muitos de nós não anunciamos o agressor porque queremos ser amado por eles, queremos ser reconhecidos neste lugar de poder dado a eles, pois em nossa psique se formos amados por estes já é um reconhecimento , não a toa Frantz Fanon descreveu muito bem isto em “ pele negra, mascaras brancas” . A outra cilada que geralmente caímos é que se formos amados pelo agressor, este vai deixar de nos agredir, pois nesta lógica, somos românticos, e pensamos se ele me amar não irá me agredir. Aviso aos navegantes neste trajeto : caso ele te ame, o máximo que você irá ganhar é um agressor te amando, o que pode ser bem pior: assistimos diariamente homens machistas espancado (física e metaforicamente) mulheres por “amor”.
Assim, acabo este texto dizendo que denunciar agressões também é exigir reconhecimento de outra forma, não pelo pacto, mas sim por aquilo que somos e não deixaremos de ser caso os agressores nos amem : mulheres, negros, gays etc... procurar o amor destes é compactuar e silenciar a agressão, tipo : “ se eu ficar quietinha, pode ser que ele me ame” Saia desta cilada e denuncie ! pois procurar amor de agressor é dolorido, você precisa ficar em silencio, e ainda aceitar a agressão ! E se por acaso você é uma das pessoas que luta contra a opressão, não faça isto, ! E lembre-se no dia que voce denunciar a bosta, e muitos usarem do poder do agressor para tentar dizer que a bosta é você ! denuncie isto também pois é efeito retorsão. Que nos caso dos agressores em geral é uma forma de manter os privilégios, e no caso de quem compactua é para manter o amor destes !
obs: este texto serve para qualquer denuncia de opressão, usei o racismo e o machismo como exemplos, mas pode ser outros. ah, e quando falo em homens e brancos , não me refiro aos sujeitos, mas sim o lugar de representaçao dado a brancos e homens, e a todos àqueles brancos, negros, mulheres, gays, homens e etc ... que compactuam com esta estrutura !
4 comentários:
Quem será a amiga? te amo Lia! beijos Vivi
Nunca havia conseguido colocar em palavras que o pacto que muitos de nós fazemos com agressores tem muito haver com a necessidade do amor , assim fica mais facil... pois por muito tempo não entendia porque aceitava algumas agressões que doiam tanto ! Valeu Lia
A inversão da vítima que luta por justiça se tornar a agressora é um clássico. Torna-se alguém que está ferindo o bom andar da sociedade. Afinal de contas, as coisas "sempre foram assim e andam muito bem". Acho que só a psicologia explica a vontade raivosa que boa parte das pessoas tem de ir contra quem luta por justiça. É assim de feministas a MST, da luta contra o racismo a um monte de outras coisas. É um direito sagrado as pessoas não quererem se meter em assuntos dessa natureza, mas desqualificar quem faz algo é quase criminoso. E sempre com argumentos como "MST é bandido", "ser feminista é falta de pau", "os próprios negros são mais racistas, pra que falar disso?", "o kit gay vai fazer nossas crianças virarem depravadas" etc. Respeito muito quem não quer pensar no assunto, mas tenho nojo de quem constrói pensamentos preconceituosos e tem orgulho dele.
Bruno.
Lia, que linda... como sempre militante, eloqüente, com um raciocínio que liga o emocional a questões políticas... Sempre coerente não escapa nunca!
Assistir suas aulas já era lindo, agora ler o que escreve me fez perceber o quanto tem de reflexão em cada uma das suas falas !!
beijo com admiração...
Fernando.
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