Sobre
nos odiarem e odiarmos a nós mesmos.
Escrevi este texto com uma tristeza profunda, após ler os comentários
da internet no caso da loja que esta ganhando dinheiro com a misoginia. Ler os comentários me fez voltar a varias lembranças e todos os momentos em que o
meu e os nossos corpos femininos foram
agredidos.
Sou uma mulher que convive com mulheres. Fiz psicologia,
curso que na época era praticamente um lugar de/e para mulheres, tenho uma irmã gêmea, e juntas sempre fomos rodeadas de mulheres,
dividindo casa, dividindo sonhos, dividindo afetos.
São anos de
convívio entre mulheres, e neste tempo
todo consigo lembrar só uma única coisa que envolva todas nós (com
salvas raras exceções) 99% compartilham o ódio por sí mesmas – as
brancas, as negras, as magras, as com
corpo “padrão ISO academia” as com peito as sem peitos etc.
Numa cultura como a nossa faz parte desta constituição odiar
parte (as vezes todo) o próprio corpo.
Quando não se odeia o culote, odeia a barriga, quando não é a barriga é
o nariz, quando não é o nariz é o cabelo ( este da um texto a parte), as vezes se odeia tudo, as vezes o formato da
unha, as vezes o dedo, as vezes o cheiro... Com este ódio alimentamos uma
maquina de produtos cosméticos, salões de beleza ( semanalmente), cirurgiões
plásticos e a indústria da moda. Todos estes ganham dinheiro com nosso auto-ódio.
Infelizmente nunca
conheci uma mulher que não se odiasse pelo menos em parte, pelo menos um
pouquinho. É evidente que isto acontece
em graus diferentes, tudo seguindo uma hierarquia padrão de beleza moldada por
um tipo estético correspondente as Barbie
e estrelas de hollywood. Neste sentido,
imagino que 98% das mulheres da humanidade estão de algum modo fora deste
padrão, ou o cabelo não é liso, ou não é magra, ou não tem peitos, ou o nariz
não é fino, ou, ou, ou, ou, ou .
Somos atacadas desde sempre pelo corpo, é ele que é
diariamente odiado e colocado para
“correção”, as partes deles são destruídas simbolicamente e muitas vezes
fisicamente (a maioria dos feminicidios acontecem com ataque violento a partes do corpo próprio das mulheres - vagina
e peitos). E então, o corpo que até então poderia ser
fruto de prazer vira o depositário de todo ódio misógino de nossa cultura.
Na verdade, quando para gostar de uma mulher ela precisa
ser esteticamente “isto ou aquilo” o que se quer dizer é que não se gosta de
mulher.
Podemos também pensar, através da psicanalise, que a violência machista e a misoginia estabelece por meio destes padrões estéticos
determinados uma relação persecutória
entre as mulheres e seus corpos, desmantelando um dos componentes fundamentais
para a saúde psíquica e física na construção de suas subjetividades: a necessidade que o corpo seja predominantemente
vivido e pensado como local e fonte de vida e prazer.
A violência de
uma cultura misógina produz exatamente o
oposto, como já apontei a cima: odiamos
nossos corpos. E ao odiarmos nos submetemos a rituais de torturas diários como a depilação, o alisamento, a restrição
alimentar... Assim, obviamente que o lugar que nos seria fonte de prazer, vira
fonte de dor. E depois de tudo isto,
aquelas que não conseguem gozar ( porque aprenderam a ter vergonha do corpo)
são chamadas de frigidas, frias, recatadas, e as que conseguem e aprenderam
sozinhas a se amarem são as nomeadas como puta.
Neste contexto, as vezes é difícil para quem esta fora desta lógica
(que pode andar por ai sem camiseta na
rua mesmo que esteja “muito magro” ou “muito gordo” sem que isto signifique
nada mais que estar com calor) imaginar de fato o quanto o próprio corpo das
mulheres tem sido violentado neste processo de constituição. As lembranças desde a infância e principalmente
na vida adulta de cada uma de nós mulheres deixam evidente que o corpo tal como
ele é está interditado de ser significado como belo. Para umas é preciso embranquecê-lo, para
outras “bronzea-los” para outras emagrece-lo, para outras criar músculos, para
todas depila-lo, ... tudo isto por meios
de técnicas que vão da violência da faca até a cera quente, pois só assim pode ser que um corpo cheio de dor seja minimamente aceito.
O ódio a mulher não nos da saída, somos de
inicio e por fim odiadas. E quando resolvemos denunciar esta cultura qual o
primeiro ataque ? aos nossos corpos.... Por isto e muito mais, é muito triste
pensar que este ódio além de alimentar uma indústria pesada de beleza alimenta
a opressão simbólica do homem sobre a
mulher, e de nós por nós mesmas.
Talvez assim
fique evidente porque amarmos nossos corpos fora dos padrões seja tão
revolucionário, e ainda porque usa-los como mercadoria tão ofensivo.
-->
Ps1: Ops, pera ai.... se você for
assim, assado, se comportar assim ou assado pode ser que não seja odiada ... rs
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