Cabe
nos perguntarmos a seguinte
questão: Como e porque algo
denunciado por sujeitos negros como agressivo e violento pode ser anunciado pelo diretor como algo intencionalmente
anti-racista?
Colocando
os dados na mesa de discussão: Este é um projeto de um diretor sul-africano
branco que percorre o mundo selecionando atores negros para expô-los imóveis e
em silêncio, e que recria em palco as atrocidades sofridas por negros em tempos
de escravidão com atores sendo enjaulados, amordaçados, agredidos e torturados
como uma espécie de zoológico humano. A intenção segundo ele é
provocar a consciência da maioria branca.
Partindo do pressuposto
do diretor que o espetáculo tenha inicialmente uma intenção anti-racista é
possível deduzir que este esteja preocupado em denunciar as atrocidades vividas
por homens e mulheres negros e negras, contudo alguém que de fato se comove com
a dor destes sujeitos deveria no mínimo ouvir e refletir sobre as denuncias dos
ativistas negros sobre a recepção estética de sua obra.
É quase unânime entre os ativistas negros que
a obra de Brett Bailey remonta a
situação colonial não apenas como figuração mas sim como algo que continua
colocando o negro em
posição subalterna em que estes são
humilhados, destituídos de humanidade,
sem voz própria. Se ainda,
pensarmos que este é um espetáculo comercial que irá gerar lucro para seus
idealizadores o quadro fica ainda pior, pois se utiliza da dor negra, de atores
negros para promover um diretor branco que não parece de fato sensibilizado para ouvir o que vozes negras
tem a dizer sobre sua obra. Neste sentido, quem deve pautar o que é racismo ou o que
não é racismo são os homens e mulheres negros e negras. A nós brancos cabe ouvi-los e compreender o porque e de que forma
aquilo que intencionalmente para nós não seria racismo para eles é.
São
os negros que sentem na pele a desvalorização e humilhação geradas pelo
racismo. Respeito é ouvir e
compreender o que eles tem a dizer a partir do ponto de vista dos negros e não
ponto de vista branco supostamente bem intencionado. Portanto, se negros e
negras dizem que é racismo e que se sentem violentados pelo espetáculo o mínimo
que o diretor deveria fazer é refletir sobre o porque sua obra foi recepcionada
pelos negros desta forma
Podemos
pensar também o seguinte: se uma das características do racismo em nossa
sociedade é a naturalização do negro em lugares subalternos não seria mais
eficaz colocar atores brancos para vivenciarem uma espécie de zoológico humano
? Se, como diz o diretor o
espetáculo é uma obra de arte porque então naturalizar estes lugares ao invés
de sensibilizar o branco ( já que esta é a intenção) fazendo com que este vista a pele do Outro?
Outro
fator importante a ser destacado é que o espetáculo remonta a idéia do negro
como “naturalmente”escravo e portanto não desloca a história colonial para
aquilo que realmente deve ser contado, a saber: a história dos negros e negras
nao começa na escravidão mas sim que história negra foi apagada por ela. Negros
e Negras foram escravizados por brancos e portanto a história que deve ser
remontada é de respeito pelo passado sofrido desta população, bem como a
história de protagonismo negro. Nós precisamos de histórias que remontem a
humanidade negra que foi arrancada e violentada por sujeitos brancos, e nao
histórias e narrativas que remontem e desumanização.
Cabe dizer que SIM, é importante que brancos se sensibilizem com a causa negra, mas isto só
pode acontecer quando estes abrem mão de seus privilégios simbólicos e matérias
gerados pelo colonialismo e pelo racismo, e se de fato Brett Bailey tem a intenção de proporcionar consciência
anti-racista que tal abrir mão do privilégio da palavra e ouvir o que os negros tem a dizer ?
ps2: aqui tem uma petição para assinar contra o espetáculo:
3 comentários:
Excelente texto , sensato , incisivo e cirúrgico.. Parabéns Lia por essa brava colaboração!!!
Excelente texto , sensato , incisivo e cirúrgico.. Parabéns Lia por essa brava colaboração!!!
Excelente como sempre Lia, parabéns!
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