A sociologia é imprescindível
para construirmos políticas publicas, mas não para julgarmos o que cada um de nós
tem passado nesta vida.
Escrevo uma história de uma moça que veio falar comigo depois de uma
palestra para falar um pouco sobre algo que há tempos tenho pensado : A sociologia mecânica dos
ativismos faz bem a quêm ?
A moça é uma negra de pele muito clara, tem olhos verdes e cabelos
ondulados. Sua mãe era negra e morreu quando ela era muito nova. Seu pai
descendente de alemão no interior do Rio Grande do Sul levou a filha Joana (
nome fictício) para morar com a família dele. E lá Joana sofreu o racismo no interior da família, a avó chamava
ela de Schwarz ( negro em alemão) e
dizia que ela servia para ser a domestica da casa. O avo falava que ela era
macaquinha e batia na moça lembrando-a que ela estava apanhando por ser negra.
O pai segundo ela não tinha nem força nem estrutura para defende-la.
Enfim a história segue com outras tantas violências
que nao vem ao caso. Joana cresceu, estudou, entrou na universidade pública e ali
começou a militar. Em diversos espaços quando esta moça falava sobre racismo
vivido era zombada por colegas brancos e negros que diziam com estes olhos
? esta pele ? que racismo ? Falas que iam deslegitimando toda uma série
de experiências violentas subjetivas que marcadores sociológicos nao dão conta
de explicar.
Obviamente sabemos como funciona o racismo fenotípico
do Brasil onde quando mais preto
menos oportunidades a pessoa têm em diferentes aspectos da vida social. E sim
quanto mais claro mais privilégios simbólicos e materiais na estrutura e inserção
no mundo social. Contudo, nao é honesto de ninguém pressupor quais foram os
encontros de uma pessoa com a violência e muito menos fazer um julgamento rápido
do que alguém sofreu ou deixou de sofrer. Ninguém sabe os caminhos por que alguém
passou.
A facilidade com que se julga os
outros deveria ser a mesma com que se julga a sí mesmo. Ou seja, quando falamos
sobre nós mesmos é evidente que levamos em conta uma quantidade de fatores que
vão muito além de determinantes sociológicos que se resumem a classe, raça e gênero.
Sim estes são determinantes estruturais de nossa sociedade e dizem muito sobre
cada um de nós, contudo nunca deveríamos esquecer que cada sujeito é
atravessado por uma série de outros fatores que eu aqui posso enumerar dos mais
místicos até os mais objetivos. Mas que em síntese quer dizer que cada um de nós
temos identificações estéticas, crenças espirituais, signos, orixás, alma, histórias de amor e desamor, violências e
afetos que ultrapassam os determinantes sociológicos e que também são
construtores de toda e qualquer subjetividade. Escrevo isto porque eu trabalho
diretamente com diferentes ativismos, o ativismo feminista, o ativismo
anti-racista e dos direitos humanos em geral. E diariamente vejo e ouço falas
que fazem uma associação mecânica das categorias sociológicas aos sujeitos. Interpretam
e julgam o quanto cada um de nós sofreu ou nao sofreu devido a puramente
categorias sociológicas.
Tenho
dito que brancos, negros, homens, mulheres, heterossexuais, homossexuais são
todas categorias de construção de classificação e hierarquizações dos sujeitos,
mas o mais importante é pensar que estas categorias só existem em relação. E o
que isto quer dizer ? que ninguém,
absolutamente ninguém sofre porque é negro. A pessoa sofre pelo encontro, pela
relação que se tem diante do racismo. Ninguém sofre por ser mulher, mas sim
pelo encontro e relação que estabelece na vida com pessoas mais ou menos
machistas e por estarem inseridas em uma sociedade estruturada pelo patriacardo
e pelo racismo. Uma moça negra de
pele muito escura em uma família de negros com identidade positivada nascida na
capital da Nigéria possivelmente sofreu
menos racismo que Joana. Por isto
sempre bom lembrar que ninguém sofre pela quantidade de melanina na pele e sim
pelo modo e pela forma com que se da o encontro com o racismo.
Fiquemos atentos pois a sociologia
é imprescindível para construirmos políticas publicas, mas nao para julgarmos o
que cada um de nós tem passado nesta vida.
Beijo em todos.
Lia