sábado, 12 de março de 2016

A sociologia é imprescindível para construirmos políticas publicas, mas não para julgarmos o que cada um de nós tem passado nesta vida.


A sociologia é imprescindível para construirmos políticas publicas, mas não para julgarmos o que cada um de nós tem passado nesta vida.

 

Escrevo uma história de uma moça que veio falar comigo depois de uma palestra para falar um pouco sobre algo que há tempos  tenho pensado : A sociologia mecânica dos ativismos faz bem a quêm ?

 

A moça é uma negra de pele muito clara, tem olhos verdes e cabelos ondulados. Sua mãe era negra e morreu quando ela era muito nova. Seu pai descendente de alemão no interior do Rio Grande do Sul levou a filha Joana ( nome fictício) para morar com a família dele. E lá  Joana sofreu o racismo no interior da família, a avó chamava ela de Schwarz ( negro em alemão) e dizia que ela servia para ser a domestica da casa. O avo falava que ela era macaquinha e batia na moça lembrando-a que ela estava apanhando por ser negra. O pai segundo ela não tinha nem força nem estrutura para defende-la. 

 

Enfim a história segue com outras tantas violências que nao vem ao caso. Joana cresceu, estudou, entrou na universidade pública e ali começou a militar. Em diversos espaços quando esta moça falava sobre racismo vivido era zombada por colegas brancos e negros que diziam com estes olhos ?  esta pele ? que racismo ?  Falas que iam deslegitimando toda uma série de experiências violentas subjetivas que marcadores sociológicos nao dão conta de explicar.  

 

Obviamente sabemos como funciona o racismo fenotípico do Brasil  onde quando mais preto menos oportunidades a pessoa têm em diferentes aspectos da vida social. E sim quanto mais claro mais privilégios simbólicos e materiais na estrutura e inserção no mundo social. Contudo, nao é honesto de ninguém pressupor quais foram os encontros de uma pessoa com a violência e muito menos fazer um julgamento rápido do que alguém sofreu ou deixou de sofrer. Ninguém sabe os caminhos por que alguém passou.  

A facilidade com que se julga os outros deveria ser a mesma com que se julga a sí mesmo. Ou seja, quando falamos sobre nós mesmos é evidente que levamos em conta uma quantidade de fatores que vão muito além de determinantes sociológicos que se resumem a classe, raça e gênero. Sim estes são determinantes estruturais de nossa sociedade e dizem muito sobre cada um de nós, contudo nunca deveríamos esquecer que cada sujeito é atravessado por uma série de outros fatores que eu aqui posso enumerar dos mais místicos até os mais objetivos. Mas que em síntese quer dizer que cada um de nós temos identificações estéticas, crenças espirituais, signos, orixás, alma,  histórias de amor e desamor, violências e afetos que ultrapassam os determinantes sociológicos e que também são construtores de toda e qualquer subjetividade. Escrevo isto porque eu trabalho diretamente com diferentes ativismos, o ativismo feminista, o ativismo anti-racista e dos direitos humanos em geral. E diariamente vejo e ouço falas que fazem uma associação mecânica das categorias sociológicas aos sujeitos. Interpretam e julgam o quanto cada um de nós sofreu ou nao sofreu devido a puramente categorias sociológicas.  

Tenho dito que brancos, negros, homens, mulheres, heterossexuais, homossexuais são todas categorias de construção de classificação e hierarquizações dos sujeitos, mas o mais importante é pensar que estas categorias só existem em relação. E o que isto quer dizer ?  que ninguém, absolutamente ninguém sofre porque é negro. A pessoa sofre pelo encontro, pela relação que se tem diante do racismo. Ninguém sofre por ser mulher, mas sim pelo encontro e relação que estabelece na vida com pessoas mais ou menos machistas e por estarem inseridas em uma sociedade estruturada pelo patriacardo e pelo racismo.  Uma moça negra de pele muito escura em uma família de negros com identidade positivada nascida na  capital da Nigéria possivelmente sofreu menos racismo que Joana.  Por isto sempre bom lembrar que ninguém sofre pela quantidade de melanina na pele e sim pelo modo e pela forma com que se da o encontro com o racismo.  

Fiquemos atentos pois a sociologia é imprescindível para construirmos políticas publicas, mas nao para julgarmos o que cada um de nós tem passado nesta vida.
Beijo em todos.

Lia